Como a blockchain pode revolucionar a forma como votamos?

A forma como votamos em nossos representantes parece ficar cada vez mais anacrônica a medida que smartphones passam a atender e concentrar nossas necessidades rotineiras. De aplicativos de mensagens a mobile banking, passando por delivery de comida ou ainda falantes assistentes pessoais para organizar a sua agenda, há uma versão digital e móvel para – quase – todo tipo de urgência contemporânea nossa.

Uma das fronteiras ainda a ser superada diz respeito ao processo eleitoral. Se nos fosse permitida a opção de votar por nossas telas, teríamos maior engajamento das populações ao redor do mundo?

Nos Estados Unidos, por exemplo, onde o voto não é obrigatório, o país figura na 31ª posição de um ranking de engajamento que cobre 35 países, segundo a Pew Foundation. Entretanto, assegurar um exercício democrático essencial às sociedades em plataformas móveis passa por algumas complexidades – afinal como garantir a idoneidade do ato em dispositivos suscetíveis a vazamentos ou invasões? A saída, defendem especialistas, pode estar na blockchain.

O que faz da Blockchain segura?

A tecnologia surgiu em 2008 para sustentar o bitcoin – mais tarde ela viria a ser usada por outras criptomoedas, como a ether. Em resumo, a blockchain (corrente de blocos, na tradução literal) é uma espécie de grande livro contábil, onde são registradas, por exemplo, transações de valores de um emissor para um destinatário e de forma descentralizada e distribuída. Isso significa que qualquer pessoa pode ter uma cópia desses registros em seu próprio computador, basicamente como funcionam os torrents.

Dada as suas características, a blockchain configura como um protocolo da confiança. Nela, todas as transações que acontecem são reunidas em blocos, onde cada um é ligado ao anterior por um elo e cada bloco é trancado por uma chave de criptografia.

Para hackear o sistema, uma pessoa precisaria hackear todos os blocos e cadeias, algo praticamente impossível. Ao mesmo tempo, dada que é pública, qualquer pessoa pode verificar e auditar as movimentações nela registradas, sejam transações de valor do bitcoin ou uma contagem de votos em uma eleição, por exemplo. Ao incorporar a tecnologia nos sistemas de votação, qualquer pessoa poderia auditar os resultados, garantindo que todos os votos foram contados corretamente e que nenhuma cédula fraudulenta foi adicionada.

O quão viável é?

Nos últimos dois anos, a blockchain tem sido colocada como a tecnologia que revolucionará o mundo. Para Don Tapscott, autor do livro “A Economia Digital: Promessa e Perigo na era da Inteligência em Rede”, a blockchain sustentará o que ele chama de “a internet do valor”.

Nela, tudo que se torna um ativo, pode ser transacionado, gerenciado e comunicado de uma forma segura. Em visita a Campus Party, neste ano, Tapscott colocou a tecnologia como a saída para combater a corrupção. “A blockchain é uma plataforma que permite uma grande transparência e a luz do sol é um grande desinfetante para a corrupção”, disse ele na ocasião em coletiva de imprensa. “Não é uma boa hora para ser um político corrupto com essas tecnologia”, completou.

Entretanto, dada que é uma tecnologia emergente, muito ainda precisa ser colocado em prova. André Leon S. Gradvohl, professor de tecnologia da Unicamp e membro sênior do IEEE (Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos), vê a blockchain como uma grande evolução tecnológica do nosso sistema de votação, mas que ainda está amadurecendo. “Há poucas aplicações reais em sistemas de votação e ainda assim são aplicações em pequena escala”, diz em entrevista ao IDG Now!

Entre os exemplos de uso da blockchain para um processo de votação está o aplicativo desenvolvido pela ONG Democracy Earth, o Sovereign. A ferramenta recorre ao blockchain para sustentar o que chama de democracia líquida – onde indivíduos possuem mais flexibilidade na forma como usam seus votos e, na teoria, não teriam fronteiras para votar.  O primeiro teste piloto do app foi durante o plebiscito pela paz na Colômbia, em 2016. A plataforma deu aos expatriados colombianos, que não puderam votar no processo oficial, uma oportunidade de participarem do plebiscito.

Nas eleições de 2018 em Serra Leoa, 70% dos votos foram armazenados e verificados na blockchain. Criada pela startup Agora, a tecnologia consiste em um sistema que armazena votos de forma anônima na cadeia de blocos. Uma vez que transações na blockchain podem ser vistas por qualquer pessoa, isso torna o anonimato do voto um desafio. Mas fornecedores da tecnologia afirmam ter chegado a formas de garantir o anonimato, algo necessário para também confiar a segurança do processo democrático.

O quão seguro é o voto no Brasil?

André Gradvohl, do IEEE, argumenta que há duas propriedades que fazem de uma eleição eletrônica segura e confiável e que não são atendidas pelo atual sistema brasileiro e que poderiam ser “atendidas” pela blockchain. A verificabilidade individual, isto é, a possibilidade de o eleitor verificar que seu voto foi contabilizado, e a verificabilidade universal, que diz respeito à confirmação que o resultado da eleição considerou todos os votos. Ter essas propriedades implementadas evitaria que alguns partidos políticos contestassem o resultado das eleições, por exemplo. “Acredito que, depois de adaptado e testado para um sistema de votação eletrônica, a blockchain pode ser útil para garantir todas as propriedades de segurança necessárias”, defende Gradvohl.

O sistema de voto eletrônico no Brasil recentemente implementou a biometria para colocar mais uma camada de segurança ao voto. Mas o professor da Unicamp é cético: “O voto eletrônico ainda possui vulnerabilidades”.

Entretanto, para comprometer o sistema eletrônico de votação no Brasil é preciso de muito tempo e recursos computacionais para quebrar a segurança. Ataques desse tipo não são impossíveis de fazer, mas não são muito viáveis. Isso porque, explica Gradvohl, os algoritmos de aleatorização dos votos foram melhorados e a chave criptográfica agora é única para cada urna. Antes, uma única chave era usada todas as urnas.

“Atualmente, essa chave criptográfica é gerada por um dispositivo específico em cada urna. Dessa forma, mesmo que um atacante consiga descobrir a chave criptográfica, ele comprometerá apenas uma única urna. Por essa razão, os esforços e recursos envolvidos para comprometer toda uma eleição talvez não sejam compensatórios para um atacante ou um grupo mal intencionado”, detalha Gradvohl.

Quando estaremos aptos a votar através de nossos celulares?

Nossos níveis de ansiedade por tecnologias futurísticas são alimentados por um catálogo generoso de obras de ficção científica via streaming. Logo, soa coerente acreditar que votar para presidente se torne algo corriqueiro até 2020. Não é o caso – infelizmente. Apesar de testes como as eleições em Serra Leoa mostrarem que a tecnologia é viável para assegurar a legitimidade do voto, há ainda uma série de testes, investimentos e autenticação no caminho.

Gradvohl lembra que a blockchain não é exclusiva para atestar a autenticidade de um voto. Mas a biometria, cada vez mais imperativa nos celulares atuais, como reconhecimento facial e leitura de impressão digital, complementaria a segurança do processo.

“Usá-los para autenticar os eleitores e contabilizar seus votos é uma possibilidade para o futuro. Antes porém, é preciso realizar muitos teste e ter equipamentos (servidores) homologados para realizar essas tarefas – autenticação, validação, contabilização dos votos. É um processo que deve demorar”, diz o professor da Unicamp e membro do IEEE.

Fonte: IDG Now

30 de julho de 2018