A Grande Resignação: sua empresa está pronta para reter talentos?

Falta de flexibilidade, trabalho presencial e pouca atratividade são alguns dos pontos para profissionais de tecnologia buscarem outros empregos

Você provavelmente já ouviu o termo “A Grande Resignação” – expressão do inglês “The Great Resignation” ou “The Big Quit”, criados para explicar o movimento de demissão em massa que está acontecendo principalmente nos Estados Unidos. Surgida principalmente após a pandemia, a tendência acontece entre profissionais que não aceitam mais formatos antigos e rígidos de trabalho.

“O que eu quero da minha vida? Como eu concilio a vida profissional com as minhas aspirações pessoais?”, questiona Fabio Battaglia, diretor da Randstad Brasil, resumindo em algumas perguntas o momento de reflexão pelo qual passam grande parte dos profissionais americanos. Na área de tecnologia, essas questões começam a despontar também no Brasil, já que o setor se destaca pelo gap de profissionais.

“Esses profissionais têm um poder de escolha muito grande desde o início da pandemia e começam a questionar o modelo de trabalho. A gente vê a predominância de ser remoto – muito além do híbrido. E se for híbrido, ele quer escolher o seu dress code, ter pacotes flexíveis, horários flexíveis”, diz.

Por outro lado, o estudo “Os empregados estão prontos para o trabalho híbrido, e você?”, da Cisco, indica que 72,3% dos trabalhadores acreditam que a qualidade do trabalho melhorou e 71,6% dizem que a produtividade aumentou após a pandemia. Apenas 28,4% dos respondentes, no entanto, sentem que suas empresas estão ‘muito preparadas’ para um futuro de trabalho híbrido.

“É preciso que as empresas adotem uma estratégia para fazê-lo acontecer de fato e para que o modelo traga benefícios para todos – tanto para a própria empresa como para os seus funcionários”, comenta Renier Souza, diretor de engenharia da Cisco do Brasil. “É necessário, particularmente, criar uma cultura inclusiva, para que todos possam se engajar e colaborar, independentemente de onde estejam trabalhando. Além disso, a tecnologia tem um papel fundamental, pois ela está ligada tanto à experiência do usuário quanto à segurança das informações e produtividade.”

A tecnologia, inclusive, já está presente para grande parte das empresas no Brasil. A pesquisa “Antes da TI, a Estratégia”, realizada pela IT Mídia, revelou que somente 21% dos CIOs e líderes do TI consideram um desafio “criar ou aperfeiçoar um modelo seguro e produtivo de trabalho remoto e híbrido na organização”. Isso porque após mais de 2 anos do início da pandemia, muitas empresas já se adaptaram ao modelo de trabalho remoto/híbrido, tendo feito investimentos em ferramentas que habilitam o home office.

Quando perguntados sobre as perspectivas de investimento para os próximos 12 meses, ferramentas de videocolaboração não estão no radardos CIOs. Apenas 36% do mercado diz que pretende investir neste ano, sendo que 52% dizem já ter implantado. Em 2021, 40% do mercado dizia que iria investir em ferramentas de videocolaboração.

“Vemos que os principais desafios que os líderes precisam enfrentar hoje para garantir o futuro do trabalho híbrido são assegurar o engajamento e inclusão. Mais da metade dos entrevistados (59%) [da pesquisa da Cisco] acreditam, por exemplo, que aqueles que trabalham totalmente de forma remota terão dificuldades para se engajar com seus colegas”, diz Renier.

Para o especialista, é necessário conectividade segura e robusta o suficiente para que a experiência de trabalho seja a melhor possível não importa onde se esteja, além de uma cultura de engajamento que foque no bem-estar e na confiança entre os colaboradores. “É muito importante que os líderes avaliem frequentemente o que está funcionando ou não na atuação híbrida entre equipes e garanta a empatia e confiança entre os times por meio de estratégias de engajamento”, afirma.

Na prática

Um exemplo prático de mudanças pode ser observado na fabricante americana de software de gestão corporativo SAP. Adriana Aroulho, presidente da operação brasileira, diz que hoje a empresa está em um momento totalmente flexível.

“A gente repensou o nosso espaço. Devolvemos dois andares do prédio e reformamos o que ficou. Não existe mais responsável por mesa, tudo é compartilhado. É um espaço de grande colaboração para receber clientes. O que eu percebi na SAP é que saímos da coisa do lugar do trabalho do dia a dia para um lugar de troca e colaboração”, explica a executiva.

E, quem não se reinventar, poderá perder seus talentos. “Isso vai trazer consequências no sentido de perda de recursos de talentos. As empresas inflexíveis perdem talentos e não atraem os novos. Nesse cenário de briga, é uma jogada de grande risco. As empresas com mais nome talvez possam atrair, mas não tanto reter”, alerta Fabio.

É o caso dos colaboradores da Apple que, recentemente, fizeram uma carta pública pedindo aos executivos que mudassem a política de volta ao escritório. “O trabalho vinculado ao escritório é uma tecnologia do século passado, da era anterior à Internet onipresente com capacidade de videochamada e todos estando no mesmo aplicativo de bate-papo interno”, diz parte da carta. “Mas o futuro é se conectar quando fizer sentido, com pessoas que tenham informações relevantes, não importa onde estejam”.

Com base em pesquisas recentes, Renier é enfático: a maioria dos empregados prefere permanecer no trabalho remoto, portanto sim, as empresas precisam olhar para o modelo híbrido para se manterem competitivas aos talentos. Um outro estudo feito pela Cisco em agosto/2021 mostrou que mais da metade prefere trabalhar de 80% a 100% do tempo de casa.

Na região das Américas, formada por Estados Unidos, Canadá e América Latina, apenas 15% dos colaboradores preferem trabalhar mais dias da semana presencialmente. Ou seja, a dinâmica de trabalho mudou e as companhias precisam se ajustar a isso.

Os desafios das empresas e dos profissionais

Com a grande concorrência para encontrar especialistas de tecnologia no mercado, além de salários ou benefícios, as empresas precisam repensar também o processo de contratação. Lucas Oggiam, diretor do PageGroup, afirma que os processos seletivos deveriam ser mais rápidos e isso é possível se há engajamento legítimo de todos os envolvidos (empresa, meio de campo e candidato).

“A maioria das empresas que contratam estão em um momento em que estão apagando incêndio e, no fim do dia, isso só é bom para o candidato, pois faz com que elas ocasionalmente abram mão de um tema o outro. Às vezes, contratam alguém que está 80% ou 90% pronto porque custa mais caro ficar sem ninguém”, alerta.

Lucas Nogueira, diretor associado da Robert Half, complementa dizendo que o processo seletivo perfeito deveria ser feito em, no máximo, uma semana entre a abertura da vaga, entrevista do candidato e a formalização. Mas, quando os processos são mais lentos, eles devem ser bem alinhados e transparentes com o candidato.

Por outro lado, ainda que seja uma tarefa árdua achar os profissionais técnicos, é ainda mais complicado encontrá-los com soft skills bem desenvolvidas para determinados cargos. “A principal questão é a da comunicação. Temos bons profissionais técnicos, mas ainda com um campo grande de melhorias. Profissionais que saibam trabalhar com diferentes públicos, que entendam pensamentos diferentes, que tenha visão 360. Geralmente essa é uma geração que se empregou muito fácil e está no ‘salto alto’. Se esse profissional souber se comunicar muito bem, entender o papel dele da empresa e entender que ele não trabalha sozinho, ele arrebenta
caso queira um cargo de gestão”, enfatiza.

Isso porque nem todos os profissionais de tecnologia almejam cargos de gestão. Fabio explica que existem dois padrões: desenvolvimento, ciência de dados, segurança são áreas, por exemplo, muito mais dinâmicas – com muito projetos curto e médio prazo. É diferente de uma carreira mais tradicional, como um CIO ou CTO, que busca algo de médio ou longo prazo.

Concorrência global

A pandemia acelerou diversos movimentos dentro da tecnologia e um deles foi a possibilidade de trabalhar para empresas de todo o mundo. Um dos motivadores para essa onda, segundo Oggiam, é o fato de o profissional brasileiro ser mais barato para o contratante de fora.

“O salário médio de um desenvolvedor nos Estados Unidos é entre US$ 8 mil ou US$ 10 mil por mês e contratando alguém que está no Brasil, o salário poderia ser de US$ 4 mil. É natural, quando você contrata em um país com uma moeda inferior, ser mais atrativa a contratação”, exemplifica.

Além disso, complementa Tiago Santos, CEO e fundador da Husky, a habilidade de uma boa pronúncia do inglês é um diferencial. “O brasileiro se vira muito bem, ele não cede para obstáculos facilmente. Além disso, apesar de termos a ‘síndrome do vira-lata’, os profissionais brasileiros são de alto nível em diversas áreas, como desenvolvimento, engenharia de software, design. Esses profissionais não ficam devendo em nada para profissionais da Europa e da América do Norte – a questão é que agora as empresas descobriram isso”.

Os dados da Husky sugerem que 82% dos profissionais brasileiros que trabalham para o exterior são da área da TI e 68% são desenvolvedores de software. Entre os profissionais de TI, os segmentos mais comuns são Desenvolvimento de Software (aproximadamente 90%), dados e QA. Dos clientes da empresa, 91% dos profissionais recebem em dólar americano, 5% em euro e 4% em outras moedas.

“Ainda existe uma área nebulosa da legislação trabalhista e talvez isso dê uma freada em contratações como essas. Hoje, qual seria o gap? A questão do idioma. O segundo: é uma zona cinzenta na legislação brasileira. ‘Eu recebo em dólar, mas como devo fazer a tributação?’, por exemplo. Alguns países começaram a modernizar a legislação para não perder tributação”, contrapõe o diretor associado da Robert Half.

Para competir com a demanda global, o desafio é grande para as empresas brasileiras. Para o executivo da Husky, a questão da CLT ou contratos pode fazer a diferença pois, no segundo caso, o profissional precisa se responsabilizar sozinho com o plano de saúde, contabilidade, entre outros.

Os benefícios da CLT são uma oportunidade para as companhias, caso sejam bem elaborados. A empresa precisa valorizar os bons profissionais e, para manter essas pessoas em casa, precisará pagar por isso.

Benefícios do trabalho flexível

Pesquisa “os empregados estão prontos para o trabalho híbrido, e você?” revela principais pontos positivos para os profissionais:

  • melhora do bem-estar dos colaboradores
  • melhora na produtividade e qualidade do trabalho
  • economia financeira e de tempo de deslocamento
  • impactos positivos nos hábitos alimentares

“Entre os pontos ainda incertos sobre esse modelo de trabalho, destaco dois aspectos também mencionados na pesquisa: o aumento de comportamentos de microgerenciamento (55% alegam que esse tipo de comportamento aumentou) e impactou na inclusão e engajamento entre colaboradores (mais da metade afirma que quem trabalha totalmente remoto terá desafios para se engajar com a empresa e com os demais funcionários). Por isso, a necessidade de trabalhar para se ter um ambiente inclusivo, onde todos possam interagir, mesmo fora do escritório”, Renier Souza, diretor de engenharia da Cisco Brasil.

 

  • Fonte: ITForum.com.br
  • Imagem: Freepik
  • 13 de julho de 2022